As trilhas na Grande Queimada são íngremes e faz muito calor; a chuva é acompanhada de tempestades de vento cortante. As cobras, milhares delas, são encontradas no chão, nas pedras, na relva, nas árvores, por toda parte. Não há mamíferos nem fontes de água potável nesta ilha, considerada a mais perigosa do mundo, um rochedo de granito forrado de Mata Atlântica, 33 quilômetros distante da costa da cidade de Itanhaém, no litoral sul de São Paulo. Quem sobrevive nessa ilha paulista são milhares de cobras jararaca - ilhoa perigoso animal que ocupa o degrau mais alto da cadeia alimentar juntamente com aranhas venenosas. Entre 10 mil e 12 mil anos atrás, quando terminou a última glaciação da Terra, a área acabou cercada pelo mar, em decorrência da elevação no nível dos oceanos. A população de serpentes, que provavelmente eram da mesma espécie do continente – Bothropoides jararaca –, ficou ilhada. Sem pequenos mamíferos para caçar, as cobras precisaram se adaptar à vida em cima das árvores, pois a principal comida disponível eram as aves, de passagem pela ilha em suas migrações. A mudança de padrão alimentar forçou alterações no comportamento desse animal. Enquanto o parente continental preserva hábitos terrestres na vida adulta, a ilhoa aprendeu a prender-se no alto das árvores pela cauda, fazendo um laço em volta dos galhos e a sustenta pendurada sendo que apenas os indivíduos jovens ficam o tempo todo no chão para se alimentarem de lacraias, lesmas e sapos.
Para matar a ave com a peçonha da Bothropoides insularis, era suficiente uma dose cinco vezes menor que a dose letal do veneno da Bothropoides jararaca. “Ele é mais potente para aves, mas não para mamíferos”, explica Otávio Marques, do Butantan. Se a peçonha não matasse a presa em poucos segundos, ela poderia morrer distante, impossibilitando o predador de comê-la. Assim, para garantir a refeição, a cobra pica o pássaro e não o solta mais, começando a engoli-lo logo em seguida. Não há relatos de seres humanos picados por essa espécie, por isso não se sabe o que possa acontecer.
O que mata suas vítimas na natureza também pode salvar vidas humanas. Estudando o veneno da jararaca comum, pesquisadores brasileiros descobriram, em 1948, o vasodilatador bradicinina, que tem ação anti-hipertensiva e que mais tarde deu origem ao medicamento Captopril. Em 2001, foi patenteado outro anti-hipertensivo baseado nas mesmas toxinas, o Evasin. Embora essas substâncias, do ponto de vista bioquímico, sejam parecidas nas duas espécies – tanto que o soro antiofídico é o mesmo –, acredita-se que as poucas enzimas diferentes da peçonha da jararaca-ilhoa possam dar origem a novos fármacos. Porém, para os ambientalistas, esse é um dos motivos da retirada ilegal de cobras da Queimada Grande. “Por ser uma espécie endêmica e pelas propriedades ainda inexploradas do veneno, ela tornou-se um alvo cobiçado da biopirataria”, afirma Raulff Lima, coordenador executivo da Renctas, ONG de combate ao tráfico de animais. “As serpentes, de um modo geral, são muito resistentes. Elas podem ficar dias sem comer, o que facilita seu envio a outros países
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